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“No mercado, você tem que encarar a sua música como um produto comercial e entender que aquilo também é marketing”

16 de outubro de 2015

Numa terra que respira essencialmente o forró, produzir rock and roll e conquistar o público não são tarefas tão simples. Músico há 30 anos, o guitarrista Zé Filho é um dos responsáveis por movimentar a cena e a produção do rock na Paraíba. Natural do Recife, Pernambuco, ele desenvolve seu trabalho como músico desde os 18 anos. Nessa trajetória, passou pelo samba, bossa-nova, MPB, forró, jazz e blues. De uns tempos pra cá, segundo ele, ficou mais difícil de produzir alguma coisa relacionada ao rock, dua raiz. “No final da década de 90 e no início dos anos 2000, o cenário era mais forte”, reconheceu Zé Filho, durante uma conversa exclusiva ao Paraíba Total.

Ele recebeu a reportagem em sua casa, em João Pessoa, e comentou sobre as mudanças no consumo e na produção da música brasileira e os desafios de quem vive – ou quer viver  – da música na Paraíba. Profissionalizar o setor é um deles. “Além dessa paixão, você tem que saber que ao redor do músico tem que existir a figura do empreendedor que sabe se relacionar bem, fazer o networking, investir nas redes sociais, sair e se mostrar”, disse.

Na entrevista que segue, Zé Filho ainda fala do seu mais novo projeto, o “Zé Filho e Amigos”, onde gravou CD e DVD com convidados, e do “Especial Rock Brasília”, que acontece no próximo dia 31, no Chopp Time.  

Como é produzir rock na terra do forró?

Mesmo vivendo numa terra essencialmente do forró, o rock é uma linguagem universal que tem amantes em todo canto, e aqui na Paraíba não é diferente. Temos um público bem eclético que consome e gosta de outros tipos de música. De uns tempos pra cá, ficou mais difícil de produzir alguma coisa relacionada a esse estilo. No final da década de 90 e no início dos anos 2000, o cenário era mais forte. Toquei numa banda chamada Sexto Sentido, que depois passou a se chamar Insight, em que participamos de alguns festivais e chegamos até a tocar no Rock In Rio, em 2001. Na época, tocávamos muito no circuito dos bares e boates daqui, mas hoje, quem está trabalhando muito e girando em relação a dinheiro nas casas noturnas são as bandas de axé, arrocha, sertanejo e sertanejo universitário. Nem o forró tem tanto espaço mais. Atualmente é muito difícil empreender na área do rock porque os espaços são cada vez menores e o público também reduziu até por conta da produção do rock nacional, que caiu muito. Olhando a última década, qual é a banda de rock nacional hoje? Não tem. Isso é devido a vários fatores, como o mercado, a mídia e talvez as gravadoras. A questão da distribuição da música mudou completamente nos últimos anos com a questão da internet e o pessoal das bandas de arrocha e sertanejo se aproveitou melhor disso.

Quais os desafios de se produzir rock nos dias de hoje?

Acho que o maior desafio é fazer chegar. Existe uma bola de neve, e a mídia começa a veicular o que o povo está ouvindo. As bandas de axé e forró, por exemplo, se desvincularam do mercado fonográfico mais rápido do que as bandas de rock. Até onde eu tenha conhecimento, nenhuma banda de rock faz o que eles fazem. Na época do Babado Novo, antes de Cláudia Leitte ser conhecida na Paraíba, escutei um CD gravado ao vivo. Como esse CD chegou aqui? Alguém gravou, fez um monte e distribuiu. Porque isso não é vendido, é dado. Antes, para ganhar dinheiro com música você tinha que produzir um CD, conseguir uma gravadora para distribuir no Brasil inteiro e fazer propaganda na televisão. Hoje as pessoas consomem da internet. As bandas de rock não fizeram isso e permaneceram no nicho de mercado, de vender CD, de produzir DVD. As bandas de forró e axé que surgiram, seguiram todas a mesma linha: o trabalho era divulgado através de distribuição de CDs. Elas não ganham dinheiro com isso, mas a música passa a ser de massa. Esse mercado foi mudando junto com a internet e eu acho que o rock nacional se prendeu muito à história das gravadoras. Por isso, não chega nas pessoas.

Com o seu último trabalho intitulado “Zé Filho e Amigos”, você faz algo semelhante a esse tipo de distribuição?

Eu gravei esse CD e DVD ano passado e lancei há dois meses. Investi em áudio, vídeo, projeto gráfico e fiz um material de qualidade, mas fiz para distribuir. Além disso, coloquei no youtube o DVD inteiro e as músicas de forma separadas. Com isso, o alcance foi bem maior do que o da distribuição. Uma das músicas teve mais de 100 mil acessos. Hoje nós temos ferramentas na internet que democratizaram o acesso a esse conteúdo.

Como é o retorno disso?

Eu investi uma grana considerável nesse último DVD. Quando se usa o dinheiro nesse tipo de produto, você tem que transforma-lo em retorno. Isso tem que ser visto como um investimento, não pode ser um gasto. Essa é a diferença da visão empresarial. Depois disso eu estou tocando mais, cobrando um valor que eu não cobrava e tudo isso por causa do DVD, que me deu mais visibilidade. Sempre tento fazer o melhor show que posso porque outras pessoas vão me ver. Não adianta querer vender o seu produto, mas você tem que fazer com que ele chegue nas mãos das pessoas e eu estou indo contra o que as bandas de rock fazem.

Você acha que todo músico deve ter essa visão empresarial?

Interessante é que a maioria dos músicos não tem essa veia empreendedora. Eu acho que é mais uma característica do próprio músico mesmo, estar mais preocupado em tocar, mas não é só isso. Às vezes você tem que estar por trás do evento e por dentro da produção para que aquilo aconteça da melhor forma possível. Por conta da questão financeira, quase nunca a gente tem as condições ideais. Seria ótimo se cada um pudesse ter uma produtora para o músico se preocupar só em tocar. Mas como não tem, ou você faz ou você fica em casa, sem tocar em canto nenhum. O músico tem que ir atrás e tem que entender dessa parte empresarial e enxergar a música como um negócio. A música é uma atividade lúdica, mas como ganhar dinheiro com isso? Esse é o grande dilema.

Dá pra viver de música?

Dá, mas é preciso escolher o caminho certo. É difícil para quem quer ganhar dinheiro só dependendo de show. Nesse caso, é mais complicado porque esse músico nunca é reconhecido e nem valorizado. Um músico pode ganhar dinheiro de três maneiras e nas três ele tem que ser empreendedor. Primeiro, ele tem que ter a banda dele e administrar o seu trabalho. Outra forma é sendo empresário da música, só que trabalhando com um estúdio de gravação, por exemplo, ou uma loja ou um negócio relacionado à música. A terceira opção, aqui na Paraíba, principalmente, é ser professor da Universidade.

Os donos dos estabelecimentos reconhecem o trabalho?

Uma vez por mês eu produzo no Chopp Time. Dia 31 de outubro vamos fazer o “Especial Rock Brasília”, tocando as principais bandas da década de 80: Paralamas, Capital Inicial e Legião Urbana. É um projeto que desenvolvi aos poucos, que foi ganhando credibilidade com a própria casa, que é mais voltada para o axé e sertanejo, até consolidar. Os donos sabem que é um público diferente, mais velho, mais comportado e que consome mais. Também produzo na Tree House há dois anos, fazendo rock aos sábados uma vez no mês. Além de produzir, tenho tocado muito na noite e em muitas festas particulares, principalmente com o público a partir dos 35 anos que consumiu os anos 80 e 90.  Esse público está órfão! Empreender ainda nesse estilo e nesse mercado contrário é complicado, mas existe um público que gosta.

Você acha que falta incentivo público para novos artistas?

Falta. A questão do incentivo é também muito relativa. Porque você consegue algum incentivo financeiro, faz um disco, mas e depois? O difícil é você transformar esse disco em retorno, fazendo com que alguém queira contratar essas novas bandas.

Como você enxerga o movimento de banda cover na Paraíba?

A música, independente de ser cover ou autoral, tem que vir com profissionalismo e bom senso tanto do artista quanto do contratante. Em algumas casas as pessoas vão pra ouvir música conhecida. A música autoral merece outros espaços. Imagine o meu caso, por exemplo, em que faço música instrumental? As pessoas querem ouvir música conhecida. Tudo isso depende do lugar e do momento. Eu acho que esses dois estilos se enquadram na atividade profissional e acho bacana. A função do artista é agradar o público. Agora se o show é num festival ou teatro, aí sim, você faz autoral porque as pessoas estão indo para ouvir e conhecer o seu trabalho.

Acha que esse movimento de cover é realmente uma homenagem ou crise de criatividade?

Não é crise de criatividade porque nem tem a criatividade. O processo de criação é um exercício, a não ser que o músico seja um gênio. Se você tem uma banda que só toca música cover, quando é que vai criar a sua? Nunca. Eu diria para essa turma, aos poucos, nos ensaios, tentar compor alguma coisa. Você pode usar a banda cover para ganhar uma grana para comprar um instrumento bacana, por exemplo.

Em “Zé Filho e Amigos” você apresenta músicas de outros artistas. Como funciona?

Ele é o meu trabalho mais recente e não é simplesmente um cover. Eu faço versões das músicas, releituras, novos arranjos. Eu pego a música e mudo a maneira de tocar. Aí sim, você está exercitando a criatividade. Claro que algumas músicas são clássicas, e mudar qualquer coisa seria um assassinato. Nesse trabalho, eu também canto e ele conta com várias participações de amigos músicos.

O que diria para quem está começando na música e quer se diferenciar?

A ideia que eu tenho em relação à música como um negócio é que é difícil. As pessoas precisam entender que ser músico não é apenas tocar o instrumento. Você tem que aprender a tocar, claro, mas você tem que se vestir, falar, e escrever bem. O músico esquece que essas coisas também são importantes. Como eu disse antes, ser músico é uma profissão lúdica que envolve muita paixão, mas não é só isso. Além dessa paixão, você tem que saber que ao redor do músico tem que existir a figura do empreendedor que sabe se relacionar bem, fazer o networking, investir nas redes sociais, sair e se mostrar. No mercado, você tem que encarar a sua música como um produto comercial e entender que aquilo ali também é um marketing. É preciso mostrar e fazer chegar nas pessoas de forma que elas fiquem satisfeitas ao consumir a sua música. Parece simples, mas não é. Às vezes surge a oportunidade de fazer show em algum lugar e dá errado porque algo na estrutura não favoreceu. Dá mesma maneira em que algumas oportunidades de mostrar o seu trabalho podem dá certo, elas também podem ser um desastre. Por mais que você toque bem, a preocupação com iluminação, som e outros fatores externos são fundamentais.