Natália Alves: “O papel do advogado criminal com o uso da IA é o de explorar a tecnologia sem abrir mão dos limites éticos”
Advogada criminalista fala sobre o crescimento do uso da Inteligência Artificial no cenário jurídico e seus dilemas éticos
8 de setembro de 2023
A advocacia criminal é uma área do direito que está passando por transformações significativas com o avanço da tecnologia, e uma das inovações mais impactantes é o uso da inteligência artificial. O Paraíba Total conversou com a advogada criminal Natália Alves, que é sócia da Miná & Alves Advocacia, vice-presidente Estadual da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, diretora nacional da ABRACRIM Mulher e especialista em Direito Penal Econômico pela FGV.
Em pauta, os reflexos de como a inteligência artificial está sendo aplicada no campo da advocacia criminal, os benefícios e desafios que isso traz para os profissionais da área. Confira:
Como a inteligência artificial pode ser utilizada no contexto jurídico para auxiliar na investigação e acusação de crimes?
Com o avanço rápido da tecnologia, a possibilidade de criar provas para esclarecer fatos está aumentando. É importante notar que essas provas não são os próprios fatos, mas sim ferramentas mais sofisticadas, como análises periciais avançadas, comparação de dados e gráficos para apoiar argumentos. No entanto, enquanto aproveitamos essas novas oportunidades, devemos ter cuidado, pois a inteligência artificial pode ter vulnerabilidades que precisam ser regulamentadas pelo Estado para proteger nossos direitos constitucionais e garantias legais. Atualmente, estão em discussão quatro projetos de lei que buscam estabelecer regras para o desenvolvimento e uso da inteligência artificial. Essas regras têm o objetivo de garantir a segurança e a confiabilidade dos sistemas de IA, sem prejudicar o progresso tecnológico. Esses projetos são o 5.051/2019, proposto pelo senador Styvenson Valentim (Podemos-RN); o 21/2020, de autoria do deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE); o 872/2021, apresentado pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB); e o 2338/2023, iniciativa do Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG).
Quais são os principais desafios e preocupações em relação ao uso da inteligência artificial frente à possibilidade de incriminar pessoas?
Assim como a tecnologia avançada pode ajudar a coletar provas, ela também pode ser usada para atribuir atos criminosos. Por exemplo, nas redes sociais, às vezes vemos imagens e vozes de alguém com conteúdo falso gerado por inteligência artificial. Nesses casos, a análise digital se torna crucial para provar o crime, ou seja, mostrar que o crime ocorreu, e também para descobrir quem criou o conteúdo falso (a pessoa por trás disso).
Quais são os critérios éticos e legais que devem ser considerados ao utilizar a inteligência artificial na defesa criminal
Proteger a manutenção da cadeia de custódia da prova é fundamental ao usar provas digitais. Isso significa garantir que todas as informações sobre a prova sejam confiáveis e completas. Isso assegura que a prova seja válida em um processo legal, evitando que seja considerada nula.
Quais são os possíveis benefícios e limitações da inteligência artificial no processo de tomada de decisão em casos criminais?
É importante usar a tecnologia de forma inteligente no sistema judiciário. Ela pode ajudar a tornar a investigação de fatos e a defesa de argumentos mais dinâmicas, permitindo que o juiz visualize a cena do crime e compreenda melhor o caso. Isso seria difícil apenas com a leitura. No entanto, é essencial garantir que a tecnologia seja usada de acordo com as leis em vigor. É uma boa estratégia defensiva, desde que esteja dentro dos limites legais. Por outro lado, confiar inteiramente na inteligência artificial para tomar decisões judiciais é arriscado. Mesmo que os algoritmos estejam avançando, cada caso é único e envolve nuances e subjetividades que não podem ser tratadas de forma padronizada. A análise humana ainda é fundamental para casos complexos.
Quais são os cuidados e precauções necessários ao lidar com evidências e informações geradas por sistemas de inteligência artificial?
Comece sempre verificando de onde vêm as informações da inteligência artificial. As respostas vêm da internet, então é importante analisar o conteúdo para ter informações confiáveis.
Quais são os aspectos éticos envolvidos na utilização da inteligência artificial no sistema criminal e como eles podem ser abordados de forma responsável?
A inteligência artificial já é uma realidade, ela existe e estamos buscando entender até onde ela pode chegar e quais regras éticas deve seguir. Isso é importante para proteger princípios e direitos fundamentais definidos em nossa Constituição Federal, que é responsabilidade do Estado garantir. Estamos trabalhando em uma regulamentação que ainda está em discussão por meio dos Projetos de Lei mencionados. Essa regulamentação vai definir o que as empresas de tecnologia podem ou não oferecer em suas inovações. Na área da segurança pública, a inteligência artificial pode ser usada de várias formas para melhorar as políticas de segurança. Por exemplo, pode analisar os dados das polícias Civil, Militar e Federal para criar critérios de segurança mais eficazes, adaptados às características de cada região e aos tipos de crimes mais comuns. Atualmente, essa análise é feita principalmente pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mas a IA pode tornar esses dados ainda mais relevantes, acessíveis e atualizados, o que ajudaria as autoridades a agir de forma mais preventiva e eficaz.
Qual é o papel do advogado criminal diante do uso da inteligência artificial e como ele pode garantir a defesa justa e equitativa de seus clientes?
Fazer o básico nunca foi o perfil de um advogado criminal, que em sua essência é inquieto e combativo. Explorar cada vez mais o que a tecnologia puder proporcionar, de preferência aliando tecnologia e ciência, como meio de contribuir com a tese defendida, transportando a tese escrita para outros meios de evidência, sem abrir mão, contudo, dos limites éticos e respeitando a cadeia de custódia da prova.