Empreendedorismo negro ganha força no setor de alimentação fora do lar e amplia representatividade
Pesquisa do Sebrae mostra que 52,7% dos donos de negócio são pretos ou pardos; setor de alimentação é o segundo com mais empreendedores negros
24 de novembro de 2025
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de 213 milhões de habitantes, e destes, cerca de 55,5% se autodeclaram pretos ou pardos.
Esses números refletem também no perfil dos empreendedores do país: um levantamento realizado pelo Sebrae no final de 2024, a partir da análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), indicou que 52,7% (16 milhões) das pessoas que têm seu próprio negócio são pretas ou pardas — um crescimento de 22,1% entre 2014 e 2024.
No setor de alimentação fora do lar, um dos mais estratégicos economicamente para o país, não é diferente. O levantamento do Sebrae aponta que o segundo segmento que mais tem empreendedores negros é o de alojamento e alimentação (do qual bares e restaurantes representam 85% dos negócios), ficando atrás, apenas, do comércio.
Segundo a Abrasel, em levantamento feito a partir de dados da Receita Federal, o Brasil tem hoje 1,5 milhão de negócios no setor. Neste cenário, há milhares de empreendedores negros que movimentam toda uma cadeia econômica, gerando emprego e renda, ao mesmo tempo em que incentivam a representatividade e a diversidade em espaços de liderança.
Resgatando a ancestralidade
Janine Gonçalves e Thalita Mariana são fundadoras da Casa Mojubá, um estabelecimento localizado em um dos bairros mais boêmios de Belo Horizonte (MG), e cuja motivação está no resgate da culinária mineira familiar, que mistura cuidado, afeto e ancestralidade negra.
A partir da necessidade de ocupar um espaço que colocasse em evidência a gastronomia afro-mineira, Janine decidiu investir no negócio no setor de alimentação fora do lar.
“Construí meu caminho aprendendo na prática: cozinhando, servindo, ouvindo o público e entendendo que cada prato é também uma narrativa. O Mojubá surgiu desse encontro entre memória afetiva, identidade e a vontade de criar um espaço diferente, onde a gastronomia negra é tratada com respeito e visibilidade”, conta.
Ainda segundo Janine, é preciso proporcionar oportunidades para que pessoas negras invistam no próprio negócio — principalmente no setor de alimentação fora do lar — o que significa também incentivar que a cultura afro-brasileira esteja em evidência, enquanto promove geração de renda e empregos.
“Incentivar pessoas pretas a empreender é urgente, porque não se trata só de abrir negócios — trata-se de redistribuir oportunidades, fortalecer territórios e romper desigualdades históricas”.
“No setor de alimentação, isso significa valorizar saberes ancestrais, ampliar narrativas e permitir que a culinária preta ocupe o lugar de destaque que merece. No empreendedorismo como um todo, significa gerar renda, autonomia e referências para que outras pessoas pretas se enxerguem como protagonistas”.
Entre os caminhos possíveis para incentivar o empreendedorismo entre pessoas pretas no Brasil, Thalita Mariana cita: “Eu, enquanto empreendedora, percebo pelo menos quatro caminhos: é essencial garantir acesso real a crédito e financiamento, com programas desenhados para quem está começando sem capital. Também precisamos de capacitação prática, com foco em gestão, finanças e comunicação, apresentada em uma linguagem realmente acessível”.
“As políticas públicas devem reconhecer as desigualdades raciais e criar mecanismos específicos de suporte. Além disso, redes de apoio e de compra entre pessoas pretas fortalecem a circularidade econômica e formam comunidades empreendedoras. Ninguém cresce sozinho e quando criamos rede, criamos potência”, afirma.

Autoconfiança para empreender
Pouco tempo antes da pandemia, José Ferreira, de São Luís (Maranhão), decidiu mudar de carreira e investir no próprio negócio. Na época, ele trabalhava na área de turismo, mas após participar de cursos de gastronomia, optou por abrir a própria empresa com foco no “churrasco raiz”: assim nasceu o Negro BBQ.
“Em um desses cursos, conheci uma comunidade de churrasqueiros e comecei a pesquisar mais sobre o ramo. Alguns amigos tinham hamburguerias e restaurantes fixos, mas quando veio a pandemia, muitos fecharam”.
“Eu segui com o buffet, fazendo eventos. Trabalho toda semana, de quinta a domingo, e, graças a Deus, sempre tem serviço. Não quis abrir um ponto fixo justamente para ter liberdade e não ficar limitado a um local”, explica.
Ter capital para investir no negócio foi um dos principais desafios enfrentados por José. Porém, a partir da gestão assertiva do negócio, o dinheiro recebido nos eventos foi aplicado na estrutura da empresa.
Atualmente, a maior parte dos colaboradores do Negro BBQ é negra. Isso porque José acredita na importância de promover uma empresa inclusiva. “A maioria das pessoas que trabalham comigo também é negra e eu sempre incentivo o pessoal a fazer o mesmo que fiz, que é investir no próprio negócio, acreditar no seu potencial e seguir em frente. É assim que a gente cresce”.
“É fundamental estimular o empreendedorismo negro. As pessoas negras precisam ter mais espaço, seja no setor da alimentação ou qualquer outro ramo que escolherem trabalhar”, completa.
Ocupando ainda mais espaços
Prince Oliveira, empreendedora e coordenadora do Núcleo da Abrasel no Morro da Mariquinha (em Florianópolis, Santa Catarina), destaca que seja para sustentar a própria família ou pelo sonho de estar à frente do próprio negócio, as pessoas negras sempre empreenderam.
E por conta de uma estrutura social, as oportunidades para pessoas pretas terem as próprias empresas, por muito tempo, demoraram a chegar a elas, o que reforça a necessidade de ocupação dos espaços de autonomia e liderança.
“Precisamos nos enxergar enquanto empresários, empresárias, empreendedores e empreendedoras, para que possamos realmente fazer diferença no nosso mundo, na nossa comunidade e na sociedade. As pessoas precisam ver pessoas pretas liderando, tomando decisões, assumindo o controle dos seus próprios negócios, fazendo a gestão das suas empresas e exercendo protagonismo”, afirma.
Prince é proprietária da Ajeum Vital — Alimentação Afro-Artesanal. Empreendedora há cinco anos, a ideia de abrir seu negócio veio da necessidade de oferecer uma melhor alimentação para o seu filho, que hoje tem onze anos.
Quando ainda trabalhava de carteira assinada, Prince conta que precisou se esforçar para se enxergar como empresária e acreditar na possibilidade de viver com o lucro gerado pelo seu negócio.
“É um processo de desconstrução e reconstrução da autoestima. Pessoas pretas sempre foram levadas a achar que seus cargos de trabalho serão sempre subalternos, mas não somos incentivados a entender que podemos, sim, ocupar espaços de protagonismo nos negócios e espaços de liderança”, diz.
“Quando uma pessoa preta se destaca como empreendedora, empresário ou empresária, muitos obstáculos surgem para impedir que ela avance. Mas a gente não pode parar”.
“A nossa presença é extremamente importante para motivar outras pessoas pretas que também querem empreender, mas que muitas vezes se desestimulam e não acreditam em si porque não veem outras como elas nesses espaços de poder, protagonismo e liderança. O nosso papel, enquanto empreendedores e empreendedoras negras, é fundamental para construir novas possibilidades”, finaliza.
Fonte: ABRASEL