
Por Novos Futuros: as pegadas de Francisco para uma nova economia
Renata Câmara fala sobre como mais que líder religioso, o papa Francisco provocou uma reflexão global sobre justiça social, migração, meio ambiente e novos modelos econômicos
30 de abril de 2025
Os papas são líderes religiosos que ao longo do tempo construíram um certo estereótipo no imaginário das pessoas. Homens idosos que usam vestimentas e acessórios especiais, presidem ritos litúrgicos solenes, comandam o Vaticano, menor país do mundo, e que de lá dirigem os destinos da Igreja Católica.
Na semana passada, acordamos com a notícia do falecimento do papa Francisco; ele que sucedeu outros 265 papas no decurso da história, a começar por Pedro, o simples pescador a quem Jesus Cristo confiou dar continuidade à sua missão. O primeiro papa latino-americano tinha um carisma indiscutível, abertura ao diálogo com outras religiões e posicionamentos que o fizeram reconhecido pelas mais distintas lideranças políticas, religiosas e intelectuais.
Mas, o papa bem humorado e simples também deixou contribuições profundas como herança do seu pontificado, entre elas, um olhar muito perspicaz e atento aos caminhos da economia global. Alguns poderiam se questionar, mas como um papa vai debater os rumos da economia? Como alguém tão envolvido com ritos, dogmas, celebrações e decisões acerca da Igreja ainda poderia se ater a assuntos dos quais não tem lugar de fala, pra usar uma expressão muito comum hoje em dia?
A economia ainda é considerada por muitos como uma ciência arisca, difícil de decifrar, menos para os que estudam mais a fundo suas dinâmicas. Bolsas de valores, oscilações de câmbio, taxações e volatilidade de mercados são assuntos que para o cidadão comum soam tão longes do cotidiano… Mas como qualquer ciência, é feita de humanos para humanos e é aí que o papa chega “chegando”.
Desde os primeiros meses do seu pontificado, ainda em 2013, papa Francisco falou em uma Igreja em saída, buscando renovar o entusiasmo missionário e explicitando a dimensão social dos Evangelhos, na construção de diálogos que ajudem a construir a paz e a justiça social, incluindo as periferias e os mais excluídos. Logo começava um efeito dominó de sermões e documentos que deixaram rastros de provocações profundas para todos os que fazem a economia girar, de canto a canto no planeta.
A tragédia humana com a perda de quase 400 imigrantes oriundos da Líbia e outros países que atravessavam o Mar Mediterrâneo em busca de trabalho e uma nova vida, foi um marco. O pontífice foi para Lampedusa, entre a Itália e a África, local da tragédia e em sua homília, fez uma contundente crítica a este fenômeno de migração forçada cada vez mais comum: “Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa (…)”.
Outro momento marcante foi o Sínodo da Amazônia, que além de ter como pano de fundo a questão da evangelização em áreas remotas, destacou a questão dos direitos dos povos originários e a proteção ao meio ambiente, que também foi tema da encíclica Laudato Si. Nela, o papa aponta o consumismo desenfreado como um dos fatores para o aumento da degradação ambiental e as alterações climáticas que atingem a nossa Casa Comum, segundo o documento, o planeta em que vivemos.
As questões sociais e ambientais entrelaçadas ao contexto econômico atual não eram uma preocupação apenas do papa. Um dos mais respeitados estrategistas do mundo dos negócios, o professor da Harvard Business School, Michael Porter, em um dos seus TEDX, reconheceu que historicamente, existe um desequilibro entre desempenho econômico e desempenho social e que o aumento do PIB e da riqueza necessariamente não está resolvendo os grandes problemas da humanidade.
“Como mudar o atual modelo econômico para a ideia de valor compartilhado? Resolvendo uma questão social com um novo modelo de negócio. Valor compartilhado é um tipo mais elevado de capitalismo, é como ele deveria ser para responder às necessidades mais importantes e não fazer as empresas perderem tempo competindo por pequenas diferenças triviais de produtos e fatias de mercado” (TEDX-Edinburgh, disponível no Youtube).
Não era uma apenas percepções de um papa pop. O movimento do capitalismo consciente capitaneado por centenas de empresas em vários países do mundo mostra que é preciso dar uma guinada na forma de produzir e distribuir riqueza e fazer negócios baseados em outros valores, não apenas ditados pelo lucro a qualquer custo.
Uma nova economia já dá os primeiros passos para se contrapor a outra que predominou por décadas exaurindo recursos naturais e humanos em favor de um desenvolvimento que anda descompassado. A tarefa exige muito ainda, mas está distribuída nas mãos das atuais e novas gerações que vão liderar empresas, governos, ONGs e, porque não dizer, igrejas.
Sobre Renata Câmara
Analista de Educação Empreendedora do Sebrae PB e pós-graduanda em Desenvolvimento Sustentável e Economia Circular pela PUC-RS.

