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Foto: Arquivo Pessoal

Consumo consciente: resumo da Semana Fashion Revolution – conexão Belo Horizonte/João Pessoa

Thaisa Bogoni e Gabriela Maroja discutem diversos aspectos relacionados à moda sustentável, inclusão social e ressocialização

3 de maio de 2024

A Semana Fashion Revolution 2024 se encerrou ontem, mas o que fica de aprendizado para darmos continuidade ao movimento pela revolução na moda? Fazer parte da organização em Belo Horizonte, pelo segundo ano consecutivo, me trouxe não só a oportunidade de conhecer mais pessoas que atuam no mercado da moda mineira, mas de reconhecer profissionais com carreiras inspiradoras, que promovem reflexões, debates e atuam por importantes e necessárias mudanças no setor.

Pude aprender pela fundamentação teórica, apresentada por professoras brilhantes, que trouxeram conceitos relevantes, além de fatores e processos que conduziram a evolução da indústria da moda. Esta, reconhecida como a filha predileta do capitalismo, não só pelo momento em que surge dentro do contexto histórico, mas por ser um dos mercados que mais fomenta o consumismo e a poluição, reforça as desigualdades salariais, agrava a falta de condições adequadas para o exercício das funções dos trabalhadores, e com tudo isso gera impactos negativos que aumentam a crise climática e as injustiças sociais. Estas mesmas professoras, contudo, não pautaram somente os problemas, mas apresentaram eficientes soluções, por meio de cases e ações reconhecidos internacionalmente, e dos lindos projetos criados e conduzidos por elas mesmas, como designers e docentes, que ocorrem dentro das comunidades e instituições de ensino locais.

Também aprendi ouvindo designers, empreendedoras, consultores e especialistas em moda, que colocam em seus negócios uma vontade imensa de expandir a consciência de que moda não é sobre consumir o que é tendência, o que apareceu nos últimos desfiles, o que está nas vitrines das lojas ou é apresentado pelos influencers… Moda é sobre autoconhecimento, é criatividade, sensibilidade, é sobre expandir a consciência, sair do senso comum, explorar novas possibilidades, destacar a essência do vestir e de todos os significados que este ato pode ter… É sobre pesquisar os melhores materiais e tecidos, desenvolver novas técnicas que sejam mais sustentáveis nos processos produtivos, por reconhecer a importância das habilidades de cada pessoa dentro da cadeia do setor e entender que sua atuação não acaba quando produtos prontos vão para comercialização… É sobre se engajar conhecendo, compartilhando e comprando de marcas locais e autorais, sobre se permitir experimentar e usar uma peça já usada, consertada, refeita ou repensada para novas vidas e possibilidades… É sobre reduzir a velocidade e olhar para os detalhes ou reconhecer o que está além do que se vê, compreendendo que muitas mentes, mãos e histórias de vida passaram por cada item para que ele pudesse existir, e que muitas vezes nos limitamos em admirar apenas o resultado… é alcançar a percepção de que a proposta da moda não se encontra apenas em cobrir corpos, mas em vestir almas, e que nossas atitudes e comportamentos, podem fazer a diferença para o tornarmos o setor da moda mais justo e sustentável.

A roda de conversa que tive a oportunidade de mediar, me fez admirar ainda mais as mulheres que participaram comigo, pois suas atuações demonstraram imensa autenticidade e a capacidade de permanecerem firmes no propósito dos seus negócios, mantendo a convicção de que a razão de existir, para quem prioriza a sustentabilidade, vai muito além do lucro. Seus relatos demonstraram não só grande resiliência, mas a serenidade em aceitar que quando se sabe onde se quer chegar, as críticas e os percalços contribuem com o amadurecimento dos processos, ajustes de rotas e o fortalecimento das relações que somam na jornada. Uma pergunta interessante de um dos participantes trouxe como questionamento se todas as pessoas poderiam, de alguma forma, fazer parte deste movimento, como consumidores mais conscientes de que suas escolhas podem ser mais sustentáveis. Debatemos que, sob as perspectivas do acesso e da inclusão social, o consumo de moda ainda é permeado por diversas limitações, então é importante tratar a pauta de modo realista e com parcimônia, sem romantizar a causa perante as diversas camadas de preconceito, invisibilidade e exclusão que impedem um comportamento imparcial que precisam priorizar outros fatores anteriores à sustentabilidade em suas decisões.

Em João Pessoa o movimento chegou em 2017 sob a representação da querida e competente Gabi Maroja, que é quem agradeço imensamente por trazer as percepções sobre o movimento nestes próximos parágrafos:

“Desde que o movimento chegou na cidade, há 8 anos (o movimento globalmente possui 10 anos), várias ações, eventos e reflexões tem sido feitas sobre o sentido da moda em uma região tratada como periférica quando se trata de criação de moda. Afinal falar em moda hoje é pensar sobre os processos que constituíram a moda a partir de um olhar eurocêntrico, portanto, colonialista. Falar em revolução na moda vai além de pensar sobre sustentabilidade ambiental, em resíduos, no processo produtivo. Hoje, significa falar em inclusão, inserção, trabalho, em valorização da cadeia, e nosso caso, pensar e trazer a público para criadores e consumidores sobre nossas vocações regionais, coisa que a Paraíba tem de sobra, com seu vasto artesanato têxtil, fruto de longa tradição trazida por indígenas, afrodescendentes, quilombolas, pessoas muitas vezes marginalizadas na moda, mas que possuem saberes que precisam ser preservados, apoiados e visibilizados.

Lembrando também que João Pessoa é uma cidade criativa mundial nomeada pela UNESCO pelo artesanato e cultura popular, então nada mais significante do que pensar nisso nos eventos realizados por aqui. Assim, de que forma pensar a moda sob esses novos paradigmas? Estas questões são trazidas desde o início da participação de João Pessoa nos eventos realizados pelo Fashion Revolution e agora também, levados a Cabedelo, onde Renata Gadelha passou a atuar em parceria como representante daquela cidade desde 2023.

Outra discussão que sempre atravessa as discussões e sessões dos eventos organizados na cidade é refletir sobre o trabalho feminino. Na indústria da moda brasileira, a mão-de-obra feminina equivale a 60% de trabalhadoras e mundialmente a 75%. As mulheres são maioria como microempreendedoras, como artesãs, como costureiras, modelistas, nos chãos-de-fábrica, mas são minoria em cargos de liderança em grandes corporações, associações, sindicatos. São fatos que não podem e não devem estar separados do pensar a sustentabilidade, pois também se trata de garantir para as mulheres equidade, dignidade, garantindo a sustentabilidade de uma forma mais ampla: social, econômica e ambiental, pois vivemos em um mesmo ecossistema.

Pensar em como podemos tornar o nosso mundo melhor, mantê-lo habitável, passa por discutir todos esses elementos, o trabalho, gênero, o processo produtivo dos objetos de nosso cotidiano (talvez nenhum seja mais presente do que nossas roupas já que nos vestimos durante toda a vida do despertar ao adormecer- e as escolhas que fazemos são tão automáticas que pouco refletimos sobre elas), a economia, o lugar que ocupamos no mundo e as estratégias para nos fortalecer. Assim, trazer essa reflexão para nós como consumidores, pesquisadores, microempreendedores, trabalhadores, diante de um campo dominado por transnacionais multimilionárias e por um pensamento global dominante sobre o que é moda (ligada ao consumo de tendências e rápida obsolescência) é um ato de resistência, e é disso que trata o movimento, repensar ações, cobrar transparência e respeito das marcas, mudar hábitos e juntos e juntas buscar novas soluções.”

Neste ano, dentro da Semana Fashion Revolution em João Pessoa foi realizada a projeção do filme O Ponto Firme, que trata da coleção desenvolvida por homens em um projeto social do estilista Gustavo Silvestre, dentro de uma penitenciária paulista, seguido de uma roda de conversa sobre ressocialização, exclusão, sonhos, preconceitos, e que gerou muita reflexão nos presentes. No campo acadêmico também foi feita uma roda de conversa na UEPB, que trouxe sua vasta experiência neste campo. Em Cabedelo o evento homenageou o dia mundial das manualidades, com uma intervenção urbana usando trabalhos manuais como crochê, patchwork, feitos pelas artesãs da cidade em plena praça pública.

Em resumo, o peito se enche de esperança por um futuro melhor e o coração pulsa mais forte com o que puder ver e ouvir, o ativismo permeia pessoas com grande experiência, altíssima capacidade técnica, com grande vontade de fazer, acontecer e se articular para fortalecer o movimento… Pessoas generosas e sábias por não guardarem o que sabem apenas para si mesmas, mas por compreenderem a importância de proliferar sua atuação para aumentar o poder nas mãos e nas vozes de quem ama o que faz e acredita que sim, com união e pequenos passos concretizados é possível crescer e promover uma revolução.

Que todos nós, estudantes, pesquisadores, especialistas, professores, consultores, designers, empreendedores e consumidores da moda, possamos continuar reverberando e agindo, durante o ano todo, de norte a sul do Brasil, baseados no que esta semana nos proporcionou.

Vida longa ao movimento Fashion Revolution e a todes que atuam por uma moda regenerativa, ética, transparente e justa!

Sobre Thaisa Bogoni

Mãe do Otto, esposa do Diogo, curitibana que recentemente mudou de João Pessoa para Belo Horizonte, feminista integrante do Projeto LIS e yogi na horas vagas. Publicitária, especialista em Marketing e Gestão de Projetos com mais de 15 anos de experiência no mercado, atuando em diversos segmentos como educação e tecnologia. Apaixonada pela área de comportamento do consumidor, dedico minhas pesquisas à pauta do consumo consciente e moda sustentável. Conselheira do Instituto Capitalismo Consciente Brasil na filial Nordeste, busco contribuir com a expansão, ações e parcerias da região.

Sobre Gabriela Maroja Jales

É representante do Movimento Fashion Revolution desde 2017. Designer e Pedagoga de formação, é especialista em Cultura de Moda, Mestre e Doutoranda em Sociologia. Docente, pesquisadora e consultora, atua principalmente nas pesquisas sobre trabalho, consumo e sustentabilidade.