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Danielle da Rocha: “Temos um longo caminho a ser trilhado até chegarmos num ambiente democrático desejável”

Entrevistada da semana teve nome citado como uma das candidatas a vaga no STF

11 de outubro de 2023

A professora paraibana Danielle da Rocha Cruz teve nome citado como uma das candidatas a vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Ela é professora de Direito e Processo Penal na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), tem mestrado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca, na Espanha, onde atualmente cursa doutorado em Direito Penal.

Além disso, escreveu e organizou livros sobre criminalidade informática, direitos fundamentais e administrativização do Direito Penal. Integra o grupo Professoras/es Pela Democracia, que denunciou o lavajatismo praticado pela 13ª Vara Criminal de Curitiba em 2018. Nos últimos anos, vem pesquisando sobre o lawfare e o Direito Penal do Inimigo.

Mulher e paraibana, Danielle da Rocha conversou com o Paraíba Total e apresentou um pouco da sua trajetória. Confira entrevista:

Qual foi a sua trajetória até chegar a professora da UFPB?

Fui muito influenciada pelas minhas origens. Meu pai foi sindicalista nos anos 70 e 80 e minha mãe era costureira. A valorização dos trabalhadores e das pessoas em geral sempre fez parte da minha educação. No curso de Direito, as disciplinas que mais despertaram a minha atenção foram Direito do Trabalho e Direito Penal. No decorrer do curso, passei a me identificar mais com o Direito Penal. Queria entender por que o sistema criminal era tão excludente no Brasil. Depois, com muito planejamento, tive uma trajetória jurídica que considero linear. Comecei a me dedicar ao estudo do Direito em nível de pós-graduação em 1999, na Universidade de Salamanca. Meu campo de atuação sempre foi o Direito Penal. Através do Direito Penal, tive acesso ao garantismo decorrente da ideia de Estado Democrático de Direito. Fui muito influenciada por Luigi Ferrajoli. Tinha um projeto acadêmico em mente e atuei profissionalmente com base neste projeto. Planejei uma vida de professora e de pesquisadora. Acredito que pensar de forma crítica sobre o Direito é uma forma de contribuir para a transformação do país porque o Direito tanto pode proteger quanto atacar as pessoas, como se elas fossem verdadeiras inimigas. É o que acontece nos regimes autoritários.

A senhora faz parte do grupo ‘Professores(as) pela Democracia’. Qual a origem, objetivo e ações?

O grupo de Professoras/es Pela Democracia surgiu como reação aos ataques à democracia e às universidades brasileiras, que tiveram um aumento expressivo diante da crise política do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e da prisão do presidente Lula. Realizamos um evento em Curitiba, em 2018, para analisar os aspectos políticos e jurídicos que o momento apresentava. O lavajatismo estava convertendo o país em refém da criminalidade de Estado. Foi um momento muito importante. Trocamos impressões sobre a conjuntura política e como ela estava afetando as universidades e a democracia. Nos últimos sete anos, precisamos enfrentar as tendências antissistemas ou antidemocráticas que se apresentaram entre nós, numa espécie de resgate ideológico da Ditadura de 64. Uso o verbo precisar porque a crise política desencadeada a partir de 2015 colocou em perigo a própria existência do pacto político de 88.

A senhora é pesquisadora sobre Lawfare. O que tem percebido no Brasil recente?

Em 2016, a crise política em torno do impeachment da presidenta Dilma Rousseff lançou um desafio para os juristas. Comecei a pesquisar sobre lawfare e estado de exceção. Tentava entender o que havia levado o país àquele cenário dantesco e que, depois, se mostrou trágico para a nossa democracia. As crises políticas também exigem ação. Como penalista, passei a escrever e a participar de eventos nacionais e internacionais, analisando a crise do nosso sistema de justiça criminal. O lavajatismo e o impeachment da presidenta Dilma foram desvios do direito que se retroalimentaram para terminar num grave processo de negação da política. Esta crise me trouxe ao momento atual, onde, não tenho dúvidas, o conhecimento jurídico deve estar ao serviço do regime democrático. Percebo que estamos em um momento de retorno à normalidade democrática, mas que ainda é cedo para comemorar. Ainda temos um longo caminho a ser trilhado até chegarmos num ambiente democrático desejável.

Fale sobre o Direito Penal do Inimigo.

Tenho uma visão pessimista sobre o Direito Penal. Não acredito que o Direito Penal seja uma forma eficaz de controle da criminalidade. O Estado deve buscar incentivar as pessoas desde cedo, no ambiente escolar, a ter valores solidários em relação ao outro. É necessário cultivar a tolerância e o pensamento coletivo, construindo uma ética para a coletividade. E também é preciso políticas sociais de distribuição de bem-estar. As penas, principalmente as penas privativas de liberdade, são muito violentas e devem ser aplicadas nos casos de crimes verdadeiramente graves. Em toda a história do Direito Penal, pode-se observar a existência de um determinado inimigo. Esse inimigo pode ser o judeu, na Alemanha nazista, o negro pobre, no Brasil, o imigrante, na Europa ocidental ou o político “corrupto”, de um modo geral nos últimos anos. Cada exemplo desses exige uma análise particular, pois são contextos bem diferentes, mas representam o alvo do Direito Penal. Quando o Direito Penal tem um alvo, sem os motivos que o justificam, que seria a criminalidade violenta, então ele se torna um Direito Penal para o inimigo.

A senhora se posicionou ativamente no apoio ao presidente Lula quando ele foi preso. Que ações organizou e qual a importância acredita esses apoios tiveram?

O grupo de Professoras/es Pela Democracia, do qual faço parte, denunciou o lavajatismo praticado pela 13ª Vara Criminal de Curitiba, em 2018. Inclusive, estivemos na Polícia Federal para entregar um manifesto ao presidente Lula, que estava preso, como forma de mostrar que estava havendo uma perseguição sistemática às universidades e à democracia, mas que estávamos reagindo. Neste mesmo ano, dei uma conferência no Congresso Internacional Retos Actuales del Constitucionalismo Iberoamericano, em comemoração aos 800 anos da Universidade de Salamanca (Espanha). Minha palestra tinha como tema a presunção de inocência. Na oportunidade, denunciei na Europa os ataques à Constituição da operação Lava Jato. Em 2021, participei de um congresso no México sobre crises constitucionais e estado de exceção, com a publicação da minha palestra no livro Crisis Constitucionales: Estados Constitucionales de Excepción, publicado no México e na Espanha, por iniciativa da Cátedra Mahatma Gandhi. O foco também era o esfacelamento da democracia.

Seu nome está como uma possível ministeriável para o lugar de Rosa Weber. Como recebeu essa notícia?

Meu nome está sendo cogitado a partir da ideia de que a indicação de uma mulher para ocupar a vaga da ministra Rosa Weber é um movimento político necessário. Após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, passei a dedicar parte dos meus esforços como jurista especializada em Direito Penal a analisar e denunciar o lawfare como uma distorção da democracia. Tenho a impressão de que este foi o ponto de partida para que setores da sociedade civil pensassem no meu nome, o que, naturalmente, é um reconhecimento profissional e uma honra.