Consumo e Capitalismo Consciente, por Thaisa Bogoni: É possível consumir mais e ainda ser sustentável?
27 de outubro de 2022
A coluna deste mês traz no título uma indagação que parece ter um não como resposta óbvia, porém não é bem assim, existem alternativas, para a minha alegria e de muitos outros leitores (e consumidores), como veremos a seguir. Como já dito aqui anteriormente, o ato de consumir é algo inerente à existência humana e que traz satisfação, prazer e para muitos é tido inclusive como um caminho para a felicidade. Vamos entender hoje como é possível sim, ter hábitos de consumo mais sustentáveis e inclusive aumentar o volume e diversidade de itens que podemos ter acesso atualmente, e, além disso, pasmem, com custos menores.
A grande sacada é entender que não precisamos comprar coisas novas e até mais do que isso, não precisamos nem comprar nada para termos acesso a novidades e diferentes tipos de produtos, serviços e experiências.
Algumas opções estão facilmente ao nosso alcance, boas práticas que podem ser adotadas em prol da sustentabilidade e que devem ser tratadas como um tema urgente por nós, consumidores, que temos o poder da voz e da escolha perante as empresas do setor privado, decidindo quais marcas iremos escolher perante tantas possibilidades, olhando para não apenas para a qualidade dos produtos que temos em mãos, mas também para os processos e normas que envolvem toda a cadeia produtiva, que devem ser éticos e transparentes. Além disso, também precisamos lembrar das nossas obrigações como cidadãos, cobrando dos governantes que elegemos a elaboração de políticas públicas e a correta aplicação das leis existentes para combater o crime organizado, a corrupção e defender os direitos dos consumidores, dos trabalhadores e do meio ambiente, que tanto precisa ser regenerado frente aos impactos negativos gerados pelo consumo desenfreado na era do capitalismo de shareholder.
Serviços e compartilhamento – o valor agregado além da compra
Vejam que os tipos de serviços que citarei aqui estão muito longe de serem uma grande invenção ou algo inédito, e usufruir do seu valor como consumidores está muito mais relacionado à nossa capacidade de repensar nossos comportamentos e atitudes.
– O primeiro deles seria o reparo, reforma ou restauro, que nos permite aumentar a vida útil de um produto ou bem que não temos interesse em nos desfazer, seja porque ainda tem boa utilidade, condições de conserto ou porque há um valor sentimental envolvido com o item em questão que gostaríamos de preservar conosco.
– O segundo seria o aluguel ou locação, que abre inúmeras portas e possibilidades de experiências, que nos ajuda a saciar aquele desejo de sempre consumir algo novo e diferente, seja por necessidade, prazer ou pela vontade de mostrarmos aos nossos grupos de convívio social que inovamos ou de que estamos antenados com a moda, tendências, de que somos modernos ou de que nos arriscamos nos aventurando em novos ambientes e universos por meio da experimentação. pois o que consumimos permite nos mostrar que somos, o que pensamos, o que priorizamos, quais assuntos nos interessam e em quais ambientes queremos circular. A prática de alugar também possui outros benefícios, como testar a eficiência ou a usabilidade de um determinado item antes de fazer um investimento que pode ser alto e se transformar num desperdício ou prejuízo financeiro.
– O terceiro seria a troca ou compartilhamento, que na verdade pode ser desmembrado em dois tipos, pois a troca parte do pressuposto de que você dá algo e recebe algo de alguém, que pode ocorrer inclusive sem o envolvimento de algum valor monetário. Já no compartilhamento você está emprestando ou dividindo algum item com alguém, sem necessariamente estar oferecendo algo em troca, e isso ocorre por um período determinado, visto que haverá a devolução após o uso.
Ótimos exemplos de itens que cabem bem em qualquer um dos três tipos de serviços seriam: eletrodomésticos e eletrônicos em geral, móveis, roupas e acessórios, joias, relógios, artigos esportivos, bicicletas e outros meios de locomoção, ferramentas, brinquedos etc.
E para quem deseja incluir estas possibilidade na sua rotina de consumo, cultivar a boa conservação de objetos e produtos é fundamental, com cuidados na hora de usar, limpar e armazenar, facilitam as alternativas apresentadas, promovendo o aumento da vida útil de todos os bens, além de práticas que também envolvem autocuidado e bem-estar, e que contribuem para a saúde mental e espiritual de quem exerce, elevando o cultivo de bons sentimentos e atitudes que permeiam o bem coletivo, como a gentileza, a atenção, o capricho, a paciência, a adaptação e a afeição.
A tecnologia e a internet jogando a favor
Como disse, nenhum das três práticas é algo inovador, pois antigamente isso já ocorria entre familiares, amigos e vizinhos que emprestavam, trocavam ou doavam coisas que já não lhe serviam mais por algum motivo e há muitos séculos o escambo era um tipo de comércio entre civilizações que ainda não possuíam um sistema monetário. A diferença é que o mundo digital veio para otimizar, facilitar e expandir esta experiência.
Hoje a tecnologia nos permite ter acesso ao e-commerce e a várias ferramentas e aplicativos que auxiliam na utilização destes serviços com empresas ou pessoas de qualquer lugar do mundo. Além disso, nas redes sociais existem comunidades fechadas, que se reúnem por afinidades e interesses e que fomentam principalmente as práticas de troca e compartilhamento, visto que estas opções podem ser viabilizadas de forma mais segura, prática e assertiva com pessoas próximas ou que pertencem a um mesmo grupo social, onde há mais confiança na procedência dos itens e de que o combinado será cumprido.
Alternativas simples e viáveis, então o que eu perco ou ganho com isso?
Trazer exemplos e falar dos benefícios foi fácil, porém é importante também refletir, o que nos impede de avançar perante estas opções? Isso depende de cada um, e mais do que uma atitude objetiva, é um comportamento que pode ser permeado por crenças, medos e preconceitos. Se é possível se ter acesso a inúmeros produtos e marcas, inclusive do mercado de luxo, o que está em jogo aqui não é apenas o poder aquisitivo de cada um, mas o que psicologicamente envolve este consumo e qual a real necessidade que se quer saciar comprando algo novo? Que valor agregado o consumo precisa oferecer?
Há também alguns mitos de que “peças usadas carregam as energias das pessoas que já as utilizaram”. Bem, isso é algo muito individual e subjetivo, mas prefiro acreditar que quando alguém se desfaz de algo, se há um valor sentimental num item, este pode ganhar outra dimensão e ficar guardado na memória e recordações, que também podem estar registradas em fotos, livros, vídeos e conversas que refrescam as lembranças e que o passado, seja ele qual for, não limita ou impede a construção de sentimentos positivos para o presente e futuro, não carrega um peso que não possa ser ressignificado ou simplesmente anulado. Eliminar os preconceitos faz-se necessário para expandir a mente e acolher estas possibilidades como viáveis e mais adequadas em nossas vidas, pensando no bem coletivo, no meio ambiente e no mundo que pretendemos deixar para as próximas gerações.
O que você realmente ganha ostentando algo novo? Alguns podem dizer que acesso é sinônimo de poder, status, fama, massagem no ego, que ostentar é uma forma de pertencer a determinados grupos e elevar sua existência perante a sociedade. Mas aí ficam as questões: o que realmente se ganha com este tipo de acesso? E por quanto tempo estes desejos e sentimentos podem ser saciados?
Do outro lado, o que você perde agindo de forma solidária? Quem afetamos quando tenho pensamentos e comportamentos egoístas? Não seria possível conquistar determinados acessos e ao mesmo tempo viabilizar ou ao menos facilitar o acesso dos outros? Há espaço para um mundo onde todos possam ganhar?
Acredito que o momento pelo qual passamos por causa da pandemia, fez boa parte das pessoas refletirem e repensarem o que realmente importa em suas vidas e incentivou a busca por mudanças de comportamento, seja pela compreensão de que algumas coisas não funcionam mais como antigamente, seja pela percepção de que vivendo com mais integração, mais colaboração, mais solidariedade, podemos promover o bem e a prosperidade para um número maior de pessoas dentro de uma sociedade que hoje vive com gravíssimos problemas sociais, econômicos e ambientais, que precisam ser urgentemente ser resolvidos para que as perdas que hoje afetam a maioria, não se transforme na perda de todos num futuro muito próximo. Tem jeito e algumas boas alternativas já estão aí, basta apenas a gente querer mudar.
Sobre Thaisa Bogoni
Mãe do Otto, esposa do Diogo, curitibana que recentemente mudou de João Pessoa para Belo Horizonte, feminista integrante do Projeto LIS e yogi na horas vagas. Publicitária, especialista em Marketing e Gestão de Projetos com mais de 15 anos de experiência no mercado, atuando em diversos segmentos como educação e tecnologia. Apaixonada pela área de comportamento do consumidor, dedico minhas pesquisas à pauta do consumo consciente e moda sustentável. Conselheira do Instituto Capitalismo Consciente Brasil na filial Nordeste, busco contribuir com a expansão, ações e parcerias da região.