
Mulheres da Vez, por Marcela Fujiy: Sem igualdade de gênero, não há futuro sustentável
8 de março de 2022

Rotina de sábado. Acordo às 5h para o treino de corrida – vulgo longão – da semana. Na volta, passando pelo posto que é meu ponto de apoio, um carro parado, cheio de homens fora dele, me assistem passar correndo: ‘ essa gostosa corre sem calcinha’ seguido de um monte de risadas.
A minha primeira reação é pensar, que bermuda eu estou?, sabia que não estava com um short transparente, que às vezes até acontece de eu usar.
A minha segunda foi raiva, queria parar e confrontar, perguntar se era da conta deles se eu estava de calcinha ou não.
A terceira foi medo. Muito medo. Aquele é um trecho e um ponto de apoio que eu passo diariamente. Me senti vulnerável e nua.
Tudo isso em segundos. Acelerei e saí o mais rápido que pude.
Certo é que não é importante se os homens correm com as suas partes protegidas ou não. Mas, certamente eu, mulher, não posso me dar ao luxo de correr sem um pedaço de pano roçando minhas partes.
Certo é que homens não sentem medo ao sair na rua.
O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo. Se engana, você, se considerar que comportamentos como esse não são violência. ‘Que homem é assim mesmo’.
Às vezes eu sinto que, nós mulheres, somos invisíveis. Que não importa o que façamos, não importam as nossas lutas, as nossas conquistas avançam de forma muito lenta.
Olhar para o progresso tão importante que tivemos nos últimos 150 anos, mas que caminhamos a passos lentos, quase nos arrastando rumo à equidade pela qual outras mulheres morreram lutando em um longínquo 8/3.
Me sinto invisível quando me pego preocupada com minha filha voltando sozinha da escola. Em ter que instruí-la a não usar roupas que possivelmente possam chamar atenção de alguém.
Me sinto invisível quando conheço tantas mulheres incríveis travando uma luta invencível na lógica do empreendedorismo por necessidade (afinal, tiveram que sair do emprego para cuidar de alguém, a chamada economia do cuidado) e rede sociais, quando o algoritmo não as enxerga. E lá estão elas com seus 100, 300, 500 seguidores, tentando seguir a lógica de uma conta que não fecha.
Me sinto invisível quando me canso de lutar. De passar por situações como essa e ainda escutar acusações de como talvez meu short estivesse transparente – tradução de ‘a culpa é sua, já que você provoca’.
Me sinto invisível quando ainda tenho que escutar ( ainda que em tom de brincadeira) que tudo o que conquistei foi pelo fato de ter um pai que empreende e um marido que tinha um trabalho na Europa.
Me sinto invisível por ter de me solidarizar com minha filha que, aos 13 anos, se recusa a vestir-se de acordo com o padrão, mas que tem de escutar muitas vezes as pessoas se referindo à ela como um menino.
Me sinto invisível por me aproximar de mais um 8/3 e ver que a data ainda é celebrada como o Dia das Mulheres, quando na verdade o dia é um símbolo de que ainda estamos lutando pelos nossos direitos.
Me sinto invisível quando, mais uma vez, nos noticiários, uma mulher é morta. Vítima do machismo.
Cansa. Ser invisível cansa.
A minha invisibilidade e de tantas outras mulheres, apesar da nossa batalha constante.
Cansa ter que estar sempre vigilante.
Cansa ter que explicar sempre. Mais do mesmo.
Cansa ter que reafirmar todos os dias que sim, nós temos um lugar na sociedade. Esse lugar foi conquistado por todas nós.
Estamos exaustas.
Enquanto todos nós, homens e mulheres, não entendermos que o machismo é uma doença, e que o patriarcado é o sistema mais poderoso que existe, não vamos conseguir avançar muito mais. A gente roda, e roda, e a única coisa que conseguimos criticar é a nós mesmas quando nos olhamos no espelho. Ou uma às outras.
Por isso a sororidade é tão importante. Por isso precisamos nos enxergar uma nas outras, apesar das imensas distâncias que nos afastam.
E é por isso que a intencionalidade é tão essencial.
Olhe à sua volta e pergunte, quantas mulheres ocupam a mesa de decisão? Quantas mulheres estão no poder? No governo? Em cargos que não sejam apenas de assistência mas sim de voz? Onde elas estão?
Estão por toda parte. Na guerra. No combate diário de provar o seu valor e o seu direito a existir.
Somos muitas.
O meu desejo é que nos próximos 8/3 estejamos juntas, olhando para trás e celebrando as conquistas que nos trouxe de fato a equidade. Porque essa sim está longe de acontecer. Por isso, tenho pressa. Já não temos mais tempo: sem igualdade de gênero, não há futuro sustentável.
Sobre Marcela Fujiy, proprietária da Farina In Natura, Kopenhagen JP e Be.labs Aceleradora
Marcela é graduada em Direito e pós-graduada em Administração de Empresas. Com mais de 15 anos imersa no meio empreendedor, a paraibana coleciona conquistas, cases de sucesso e muito aprendizado à frente das franquias Kopenhagen Manaíra e Cabo Branco, da aceleradora de negócios femininos BeLabs e da sua mais nova sociedade, a padaria artesanal “Farina In Natura”, também no Cabo Branco. Marcela já morou na Suécia e ministra palestra em diversos lugares do Brasil sobre empoderamento e empreendedorismo feminino.